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xmen · **Enviada:** Domingo Janeiro 11, 2009 23:06 | **Assunto:**

Série Lost vira objeto de pesquisa

Antes de se inscrever na disciplina "Ficção seriada", do curso Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), o estudante Icaro Vidal Junior nunca tinha assistido a um único episódio da série televisiva "Lost". Um ano depois de concluir a disciplina, ministrada pelo professor Afonso de Albuquerque, o aluno foi aprovado em primeiro lugar no mestrado em Comunicação da universidade com um projeto de pesquisa ancorado fenômeno "Lost". Com este projeto, Vidal propõe traçar uma genealogia dos modos de atenção dos espectadores. Segundo ele, o fenômeno "Lost" parece operar de modo paradigmático e pioneiro as rupturas com os modelos narrativos seriados.

- Em primeiro lugar, quero compreender como funciona a atenção do espectador desse tipo de ficção seriada -explica. - Também me interessa entender o fenômeno "Lost" a partir das novas relações que ele implementa entre emissores e receptores no interior das dinâmicas comunicacionais, pois isso possibilita uma compreensão do papel da mídia na sociedade que ultrapassa a mera crítica do pólo emissor. Por fim, me interesso pela valoração moral, ou seja, pela atribuição dos valores de "bom" e "mau", a certas leituras da série no interior das redes que a tematizam.

O projeto de Icaro Vidal enfoca diferentes dimensões do fenômeno "Lost". Nele, o estudante explora a estrutura narrativa da série e as relações entre seus fãs e a tecnologia envolvida nas redes tangenciadas por "Lost", tanto as interfaces ligadas à sociabilidade dos fãs (Orkut, Facebook, blogs etc) quanto aquelas que propiciam novas formas de distribuição e exibição dessas produções (DVDs, P2P), até então restritas às grades de programação das emissoras. Segundo Vidal explica, "Lost" apresenta, recorrentemente, elementos cuja utilização sistemática se deu com o cinema moderno, cuja maior peculiaridade, de acordo com o diretor e intelectual francês André S. Labarthe, era o trabalho de produzir sentidos e estabelecer ligações entre os fatos que, a partir de então, cabia ao espectador. Neste trabalho do espectador, comparece um determinado regime de atenção.

- As relações sociais que se constroem nas bordas do seriado, em comunidades virtuais e outros fóruns de discussão e trocas entre os fãs da série, vêm corroborar esse trabalho de atenção no encadeamento dos fatos da narrativa já que, em última instância, o que parece estar em jogo é a disputa pela melhor forma de assistir a série, pelo melhor trabalho da atenção - diz ele, acrescentando que os novos suportes materiais da narrativa também repercutem no trabalho do espectador atento: - Os extras presentes nos DVDs, a possibilidade de pausar a imagem dos DVDs e dos arquivos digitais e os arquivos de making off disponíveis na internet armam o espectador para a disputa pela "verdade" da ilha de "Lost".

Uma metáfora da sociedade globalizada

A disciplina "Ficção seriada", que tomava "Lost" como ponto de partida para a discussão de uma série de temas relativos à mídia contemporânea, foi ministrada por Afonso de Albuquerque no segundo semestre de 2007. Segundo explica o professor, as aulas se estruturavam em torno de um texto e de um episódio da série, que era exibido em sala de aula e depois discutido à luz do texto. O curso tinha entre seus objetivos demonstrar a diversidade de linhas de interpretação possíveis de serem empregadas no exame de um mesmo objeto empírico. Desse modo, ao longo do semestre, os alunos trabalharam diferentes teorias e autores, como John Locke, Marc Augé, Edward Said e Umberto Eco.

- A primeira parte do curso, por exemplo, lidou com o modo como "Lost" tratava do problema da construção da sociedade: um punhado de sobreviventes, de nacionalidades diferentes, sendo obrigados a produzir algum tipo de ordem política numa ilha deserta para sobreviver - conta Albuquerque. - Como eles constroem um sentido de identidade entre si e em oposição aos "outros"? Como lidam com os preconceitos que trouxeram de fora?

O curso dividiu-se em três partes distintas. Nesta primeira parte citada, "Lost" foi vista como um microcosmo, uma metáfora da sociedade globalizada contemporânea. Na segunda, foi discutida a questão da narrativa da série. E a última parte explorou "Lost" como uma ficção transmídia, que relaciona a televisão com outros suportes midiáticos. A disciplina tinha, assim, entre as suas propostas examinar este novo modelo audiovisual, que não é só televisivo, mas se relaciona e se integra a outros meios, como a internet e os jogos eletrônicos.

- Em linhas gerais, usamos "Lost" como um exemplo de importantes mudanças no panorama da ficção contemporânea, não somente porque a série se estrutura a partir de um suporte transmidiático (que integra diferentes meios e linguagens) como também na medida em que ela cultiva um novo tipo de relação com o espectador. Ele se torna mais ativo e é envolvido mais diretamente na busca de solução dos problemas - resume Albuquerque, que apresentou este ano, no XII Encontro Internacional da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine), o trabalho "Lost e a ficção transmídia".

Fonte: O Globo Online