Direção: Andrew Stanton
Roteiro: Andrew Stanton
Elenco: Fred Willard, Jeff Garlin
Sinopse (Cinema em Cena): No ano 2700, a Terra se tornou um lugar inabitável devido à imensa quantidade de lixo despejado. É quando o solitário robô WALL•E, encarregado de limpar o planeta, tem a oportunidade de ter uma nova vida e conhecer os humanos, que agora vivem em uma imensa nave chamada Axiom.
Essa tirada da placa de energia solar não é coisa de gênio?
Novas fotos de Wall-E acabam de ser divulgadas. Você sabe que um filme vai ser bom quando os realizadores conseguem criar uma sacada genial como a da placa de energia solar usada para bronzeamento, que aparece numa dessas imagens que você confere na galeria.
O filme se ambienta no ano 2700, quando a Terra ficou tão tóxica que os humanos debandaram - entraram todos numa gigantesca nave espacial, Axiom, que fica circulando o planeta esperando a hora em que as toxinas baixarão e as pessoas poderão voltar. Wall-E é o último dos robôs desenhados para limpar o lixo deixado na superfície da Terra.
Dirigido por Andrew Stanton (Procurando Nemo), Wall-E estréia mundialmente em 27 de junho.
Há cerca de uma semana, fui submetido a uma cirurgia (a terceira – e última, espero – em um ano) e recebi a recomendação de permanecer algumas semanas em repouso absoluto. Nada de ir ao cinema, nada de trabalhar, nada de escrever; apenas descansar, relaxar e permitir que o velho corpo volte à normalidade. Mas eis que surge WALL•E, nova produção da Pixar e me vejo irresistivelmente atraído à sala de projeção (afinal, estamos falando do estúdio que criou Toy Story, Toy Story 2, Monstros S.A., Procurando Nemo, Os Incríveis, Carros e Ratatouille!). E como, depois de assistir à magnífica e apaixonante experiência representada por WALL•E, eu poderia deixar de escrever sobre este filme que parece representar uma espécie de mistura perfeita de Chaplin, Kubrick e Disney?
Escrito por Jim Reardon e pelo diretor Andrew Stanton a partir de um argumento concebido por este e Pete Docter, WALL•E já tem início revelando a imagem angustiante do planeta Terra cercado por um verdadeiro anel de lixo, refletindo também o estado de sua superfície. Abandonado pelos humanos depois de se tornar inabitável, o planeta tem, como último ocupante, o robozinho que dá título ao projeto e que passa seus dias exercendo a (agora inútil) função para a qual foi criado: compactar e organizar todo o lixo criado pela humanidade – algo que dá origem a imensas construções de refugo que, de uma estranha maneira, remetem às Pirâmides e às ruínas Maias. É então que uma nave desconhecida deixa na Terra a robô EVA, que imediatamente desperta a curiosidade do solitário WALL•E.
Contando com um primeiro ato praticamente livre de diálogos, o filme investe, em sua meia hora inicial, num design de produção que aposta numa paleta apropriadamente apagada que retrata o planeta como um universo de poeira e ferrugem – algo que contrasta de maneira eficaz com as cores fortes e a tecnologia impressionante que serão apresentadas a partir do segundo ato. Além disso, a ótima trilha de Thomas Newman foge das melodias engraçadinhas e ajuda a compor a atmosfera pós-apocalíptica do longa, incluindo, ainda, trechos de canções que normalmente não associaríamos a uma produção supostamente voltada para o público infantil, como “La Vie em Rose” (na voz de Louis Armstrong) e “Assim Falou Zaratustra” (mais conhecida como o “tema” de 2001: Uma Odisséia no Espaço). Estas opções narrativas, porém, se revelam mais do que adequadas, já que a alma do filme consiste na doce trajetória de duas criaturas que, criadas para seguirem cegamente suas diretrizes, gradualmente descobrem a própria individualidade e - o mais importante – a magia que surge quando encontramos, no outro, algo que nos completa de alguma maneira.
Concebido como uma mistura do Número 5 de Um Robô em Curto-Circuito e o E.T. de Spielberg (percebam a similaridade no formato da cabeça, na extensão do pescoço e até mesmo em seu “coração” brilhante), WALL•E também é uma evidência de todas as lições que a Pixar aprendeu com os clássicos da Disney no que diz respeito à antropomorfização de qualquer tipo de criatura: animais, carros ou pedaços de lata – e seus olhos tristes e com “pupilas” dilatadas representam um exemplo básico de como encantar através da vulnerabilidade do personagem (lembrem-se da “carinha” do Gato de Botas, em Shrek 2, realizado pela concorrente PDI/DreamWorks). Mas, mais do que uma simples criação “bonitinha”, WALL•E exibe uma personalidade encantadora: curioso por natureza e solitário por imposição, ele revela uma pureza contagiante ao descobrir beleza nos mais prosaicos objetos, como um isqueiro de metal ou a embalagem de um anel de diamantes (o qual ele imediatamente joga fora).
Assim, quando se vê diante de EVA, que ele imediatamente reconhece como uma semelhante, o robô busca estabelecer um relacionamento que modelou a partir daquilo que considera como o “padrão” da interação humana: a seqüência musical “Put On Your Sunday Clothes” de Alô, Dolly, de 1969, e à qual ele assiste repetidamente em uma desgastada cópia em VHS. E demonstrando que uma comédia romântica (algo que WALL•E parcialmente é) não precisa repetir velhos clichês para funcionar, aqui a dinâmica entre o “casal” principal não depende de convenções como “brigam, mas se amam”, já que, em vez disso, vemos como WALL•E conquista EVA apenas com sua tocante personalidade: se inicialmente ela o encara apenas como um exemplo da “fauna” local, gradualmente percebe os atrativos do companheiro que, mesmo que a irrite ocasionalmente por não perceber a seriedade da situação na qual se envolver, é indubitavelmente uma alma gentil e atenciosa. Aliás, não é nada estranho falar em “alma” ao discutir WALL•E, já que este personagem se mostra infinitamente mais humano do que a maioria absoluta das criaturas unidimensionais de carne-e-osso que costumam protagonizar as superproduções norte-americanas – e, neste sentido, as vozes criadas pelo veterano sound designer Ben Burtt (Star Wars) se revelam fundamentais no processo (e não é à toa que o citei em primeiro lugar ao listar o elenco no início deste texto).
Demonstrando inteligência ao adotar um estilo de direção totalmente diferente daqueles exibidos em Vida de Inseto e Procurando Nemo, o cineasta Andrew Stanton compreende que, em WALL•E, uma abordagem mais realista tornaria a narrativa ainda mais urgente e ressonante e, assim, freqüentemente cria planos instáveis que simulam a câmera na mão, emprega o rack focus com inteligência e investe até mesmo em zooms rápidos que parecem indicar que algum elemento da ação ocorreu inesperadamente, obrigando o operador de câmera a fazer um ajuste rápido (como na cena em que o protagonista é atingido por vários carrinhos de supermercado). Além disso, Stanton cria seqüências de imensa poesia, permitindo que a simples beleza plástica domine momentaneamente a narrativa, como na seqüência em que WALL•E e EVA flutuam no espaço impulsionados pela espuma de um extintor de incêndio e por jatos violeta que se cruzam num balé que remete à Fantasia, de 1940. Isto não impede, também, que o diretor aposte em gags visuais menos sofisticadas, mas não menos divertidas, como ao revelar que até mesmo os depósitos de lixo da luxuosa nave Axioma contam com “ratos”. E se os filmes da PDI/DreamWorks costumam depender exageradamente de referências pop contemporâneas, transformando citações a produções recentes em uma de suas principais fontes de humor (ver Shrek 2), WALL•E homenageia suas influências de forma infinitamente mais sutil e inteligente, como ao conceber o piloto automático AUTO como uma espécie de primo do HAL 9000 da obra-prima de Kubrick.
E se tudo que discuti anteriormente já serviria para estabelecer o filme como um clássico instantâneo, a surpresa se torna ainda mais agradável ao constatarmos que WALL•E também revela grandes ambições temáticas, como ao retratar os humanos do futuro como criaturas morbidamente obesas e tristemente inativas, numa crítica ácida às conseqüências de uma sociedade cada vez mais voltada ao consumo que faz eco com argumentos semelhantes presentes no também fantástico As Bicicletas de Belleville. Impulsionados apenas pelo que lhes ordena a publicidade onipresente, os humanos se encontram cegos para a beleza à sua volta – e se o “modelo” de Alô, Dolly! defende a interação humana como fonte inesgotável de alegria, aqui os habitantes da Axioma jamais desgrudam os olhos das telas que os impedem de enxergarem uns aos outros.
Curiosamente, alguns vêm criticando a suposta hipocrisia de um filme que, patrocinado pela megacorporação Disney, ataca o consumismo. Ora, isto apenas enobrece ainda mais o longa, comprovando que, mesmo nas mais impessoais e opressoras corporações, ainda há indivíduos que, operando de dentro, não permitem que a lógica do lucro e da burocracia oprima valores intrínsecos à natureza humana, como a criatividade e o amor pelo novo. Aliás, isto reflete justamente a principal mensagem de WALL•E, o que não deixa de ser um exemplo da Vida e da Arte em sintonia num mesmo projeto, já que os humanos do filme também reencontram sua curiosidade intelectual graças a um produto da indústria: o próprio WALL•E.
Celebrando o valor da individualidade no que esta tem de melhor (não o egoísmo, mas a coragem de ser diferente), não é à toa que WALL•E acaba encontrando seus heróis num grupo de robôs “desajustados” – e, neste sentido, o filme de Andrew Stanton acaba se estabelecendo, ao lado de Os Incríveis e Ratatouille, como um dos mais adultos e intelectualmente ambiciosos produzidos pela Pixar, firmando-se como mais um clássico moderno entre tantos já realizados pelo fantástico estúdio de John Lasseter.
Observação: Não há cena adicional após os créditos, mas o logotipo da corporação BNL, que domina o universo de WALL•E, faz uma última aparição.
Caramba!
Preciso ver. _________________ 'O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.' Drummond.